Nas últimas décadas, a inteligência emocional (IE) foi promovida como uma competência essencial para o sucesso pessoal, profissional e social. Popularizada por Daniel Goleman nos anos 1990, a ideia de que saber reconhecer e gerir emoções — próprias e alheias — é mais relevante do que o quociente intelectual tornou-se um dogma. Empresas exigem-na nos processos de recrutamento, escolas procuram desenvolvê-la nas crianças, e livros de autoajuda fazem dela um ideal de equilíbrio. Mas será que esta narrativa é tão benéfica e inofensiva quanto parece?
Há um lado pouco discutido da inteligência emocional: o seu uso como instrumento de normalização emocional e de gestão do comportamento. Numa sociedade cada vez mais orientada para a performance, a IE tornou-se um recurso útil — não apenas para o bem-estar, mas para o controlo social e corporativo.
Importa distinguir o valor potencial da IE da forma como é aplicada. A capacidade de compreender emoções, lidar com conflitos e reagir com ponderação é, evidentemente, importante. O problema surge quando um conceito útil se transforma numa ferramenta ideológica, desprovida de rigor científico e usada de forma acrítica.
Apesar do entusiasmo generalizado, a comunidade científica ainda não chegou a um consenso sobre o que, exatamente, constitui a inteligência emocional. As definições variam, os instrumentos de medição são inconsistentes e os estudos empíricos nem sempre sustentam as promessas feitas por autores populares. Muitas vezes, confunde-se IE com traços de personalidade ou competências sociais, o que fragiliza a sua validade como construto psicológico autónomo.
Nas empresas, a inteligência emocional é frequentemente promovida como requisito essencial. No entanto, o seu uso prático nem sempre serve para melhorar o ambiente de trabalho — muitas vezes serve para disfarçar problemas estruturais. A ideia de que um trabalhador deve ser sempre resiliente, empático e controlado pode funcionar como forma de silenciamento emocional. Críticas ou manifestações de insatisfação são rotuladas como “falta de inteligência emocional”. Em vez de se questionar o modelo de gestão, responsabiliza-se o indivíduo pela sua reação emocional.
O discurso da IE, assim, desloca a atenção dos contextos para os comportamentos. Os conflitos são tratados como falhas emocionais individuais, não como sintomas de tensões reais e legítimas. A gestão emocional transforma-se numa exigência tácita de submissão emocional.
O lado invisível da inteligência emocional é justamente este: a forma como, sob o pretexto de promover equilíbrio, se pode incentivar a repressão emocional. Emoções como a raiva, a frustração ou o medo são naturais e, muitas vezes, adequadas face às circunstâncias. Deslegitimá-las em nome do “autocontrolo” pode ter um custo psicológico sério — e tornar a IE numa forma polida de desumanização.
A solução não está em rejeitar a inteligência emocional, mas em repensá-la criticamente. É necessário distinguir entre desenvolver competências emocionais e impor normas de comportamento emocionalmente “aceitável”. E, sobretudo, é preciso garantir que a IE não seja usada para disfarçar relações de poder assimétricas, ou para delegar no indivíduo a responsabilidade por problemas sistémicos.
A inteligência emocional pode ser uma ferramenta de crescimento pessoal — mas só se for acompanhada por inteligência crítica, sensibilidade ética e consciência social.
Bem hajam,
Saiba mais informações sobre a nossas formações:
MIGUEL FERREIRA
Advanced Master, Practitioner e Trainer em Programação Neurolinguística
Psicopedagogo, Consultor Empresarial, Executive e Life Coach